005: Técnica: Tipos de Verso (parte 3 de 4)

0 comments

Verso Acumulado (elaborado / não elaborado)

Existe um tipo de verso um pouco mais complexo de se fazer, mas que vem ganhando fama entre os rappers desde a metade da década de 90. Muito utilizado por grupos novaiorquinos como Wu-Tang Clan e Rakin, os versos acumulados nada mais são do que muitas frases seguidas que compartilham da mesma rima. Pode parecer fácil por ter uma definição simples, mas não é bem assim. É particularmente mais difícil criar 20 frases que rimem do que 10 versos simples, de duas frases cada um. Uma das dificuldades encontradas também é encaixar o texto dentro de uma rima pré-estabelecida, já que muitas vezes a frase que você quer encaixar não aceita facilmente a palavra com a rima escolhida para o verso acumulado.

Mas, se superadas estas dificuldades, o resultado é magistral. O verso acumulado prende o argumento do discurso pelo fato das frases estarem amarradas pelas rimas (apenas cuidado para não exagerar, e para manter a levada variando, evitando assim cansar o receptor pela repetição da rima).

Me lembro que a primeira vez que vi um verso acumulado foi em “Política”, do extinto grupo Athaliba e a Firma.


Política,
Nossa vida mais e mais ficando crítica,
Basta olhar que você vê que a vida cívica
deteriora tanto quanto a coisa pública.
Quanto choro, quanta fome, quanta súplica,
quanto nojo de saber que gente estúpida
de mamatas vão vivendo na república,
chegou lá sem declarar riqueza súbita...
Joga o jogo de enganar postura física...
de enganar figura lá, postura cênica.
Vem política estúpida e anêmica,
vem política raquítica, cínica.
Choque vai, inflação vem de forma cíclica.
Nem precisa consultar a estatística
pois de fato a gente sente a vida rústica
que não há como mudar o tom da música,
pois vai mudar, vai melhorar, vai ficar nítida
sua alegria de viver será explícita.
Nos palanques bem montados, boa acústica,
são patéticas promessas de política.
(“Política”, Athaliba e a Firma)

 

Esta técnica varia entre elaborada e não elaborada. Na letra acima, Athaliba não se preocupou com a estrutura da batida, repetindo a rima pré-estabelecida, mas mantendo a levada mais solta. Poderíamos considerar, neste caso, como sendo um verso elaborado não elaborado. Já na letra de “Luto” da segunda formação do Pavilhão 9, observamos uma preocupação maior com o ritmo da base instrumental e com a divisão dos versos:


Meu aliado / do lado / errado / foi detonado,//
com calibre / grosso / e chumbo / pesado,//
Cabo / dobrado, / cano / serrado...//
Usado / com crueldade, / na razão / da sua morte...//
(...) Fato / passado, / riscado / em calendário,//
Dia, mês / e horário / macabro / marcado,//
Seis alças / lacrado, / sendo / carregado.//
Relembro / o momento / não temo / o que digo chegado.//
(“Luto”, Pavilhão 9)
Eu não desisto, perigo, está além do que eu preciso.
Eu sei muito bem disso, já tenho o que necessito.
Um microfone, um vocabulário mixo,
uma rima que não vale um real puma pá de crítico.
Ridículo, não dou à mínima, eu conquisto o título
que você quer ganhar. Sigo invicto, o papo é verídico,
pra rima vivo num clima periférico. Vamos lá...
risca, ai DJ, risca meu disco, a esquina é um perigo,
Xis, Estado Crítico, o RAP é um vício,
fundamental, político, pra guerrear,
vote 4P (o partido legítimo) (...)
(“Perigo”, Xis)


Eu vou fazer o terror, mandar meu alô,
ai quem não puxa estica, eu sei, que logo liga, ligou!
Pra mim só se for agora nesse instante.
Meter a bola pro gol, eu sou o centro-avante.
No RAP, camisa nove rimador de estilo,
O defensor verdadeiro, atômico (ganhou?).
(“Seja Como For”, Xis)

Estes dois exemplos anteriores mostram as enormes possibilidades do verso acumulado. Enquanto em “Perigo” Xis utilizou rimas bem fechadas, sem muita variação entre elas (assim como em “Política”, do Athaliba e a Firma), em “Seja Como For” o rapper procurou “moldar” as palavras para se adequarem ao seu discurso – além de evitar a estrutura mais comum, colocando as rimas em locais inesperados da frase. Desta forma, ele pronuncia “terrô”, “fô”, “sô”, “atomico”, de uma forma tão sutil que as rimas se encaixam com perfeição, mesmo para palavras tão diferentes como “atômico” e “ganhou”.

Talvez seja impossível fazer um gráfico para o verso acumulado, visto que eles variam muito em relação à quantidade de rimas que possuem e a posição que elas se encontram no verso. Mas podemos representar seu conceito em uma seqüência de versos com a mesma rima:

___1+__1+
___1+__1+
___1+__1+
___1+__1+

005: Técnica: Tipos de Verso (parte 2 de 4)

0 comments

Continuando o post anterior, este mostra quais são os versos elaborados. Eles são versos que para serem feitos, exigem um determinado domínio e compreensão das batidas da base instrumental, pois as rimas, nestes tipos de versos, ficam atreladas à batida.


Os versos elaborados são cinco:

  • Verso Duplo;
  • Verso Triplo;
  • Verso Diagonal;
  • Verso Trocado;
  • Verso Poético.

 

Verso Duplo (elaborado)

Ao se acrescentar um segundo par de rimas em um verso simples, cada um em uma frase, cria-se um verso duplo. Ele espelha as rimas da primeira frase com as rimas da segunda frase. É uma boa técnica, que foge do lugar comum e torna o discurso mais ritmado. O verso duplo pode ser encontrado na maior parte das letras já compostas.

 

Armas frias apontadas¹ / rumo ao 121².//
Na deles não sou nada¹, / no inferno só mais um².//
(“Cair da Noite”, Fred/CRA)
 
E sigo em frente¹, / mantendo a corrente forte².//
O coração bate sempre¹ / sentido Zona Norte².//
(“Contexto”, Marcelo D2)

 

A representação gráfica do verso duplo:

___1___2
___1___2

 

Também é possível empregar não a segunda batida da frase, mas a terceira, para que a primeira rima (¹) se desloque para frente:
 

Quem se casou / quer criar / o seu pivete¹ / ou não2.//
Cachimbar / e ficar doido / igual muleque¹, / então2.//
(“Periferia é Periferia (em qualquer lugar)”, Edi Rock)

Mano! / Que loucura / te ver¹ / agora2.//
Há um tempo, / pá de tempo, / você¹ / foi embora2.//
Nossa chance / acabada, / era o fim³/ da fita⁴.//
Da parada, / da zueira / que aqui³ / se via⁴.//
(“Chances”, Sangue B.)
 

A representação gráfica, neste caso, seria ligeiramente diferente:

_____1_2
_____1_2

 

Verso Triplo (elaborado)

Continuando do raciocínio, podemos adicionar mais uma dupla de rimas ao verso, toralizando três duplas de rimas paralelas. Não é uma rima comum de se encontrar, principalmente se feita propositadamente. O mais comum é que ela acabe aparecendo em um verso por mero acaso, simplesmente devido ao acréscimo de rimas.


Minha mente¹ / a milhão², / cada vez / mais confusa³. //
Minha gente¹, / irmão², / cada vez / mais afunda³. //
(“O Sonho”, KLJay)
 
Não sei qualé / que pum¹, / qual que ², / qual que foi³!//
Quemé quem / que dá um¹, / que não ², / que dá dois³!//
(“Apelidado Xis”, Xis)

 

O gráfico que representa o verso triplo é bastante semelhante aos anteriores:

___1_2_3
___1_2_3

 

Verso Diagonal (elaborado)

Por vezes, em construções inusitadas de versos, surge uma oportunidade de manter a rima colocada na metade de uma frase com a rima colocada no fim de outra frase. É algo estremamente peculiar, já que a própria levada torna-se estranha ou diferente do convencional. Se feito errado, parecerá que o rapper colocou a rima no local errado, ou que está cantando errado sobre a batida.


Minha / condição / é sinistra¹. / Não posso //
dar rolê, / Não posso ficar / de bobeira / na pista¹!//
(“Soldado do Morro”, MV Bill)

 

O gráfico, neste caso, seria:

___1___x
___y___1


Esse lugar é um pesadelo / periférico¹!//
Fica no pico numérico¹ / de população.//
(“Periferia é Periferia (em qualquer lugar)”, Edi Rock)

Uma variação diferente da anterior:

_______1
___1___x

 

Verso Trocado (elaborado)

Pegue um verso duplo e troque a posição das rimas de uma das frases e você obterá um verso trocado. Muito incomum, ele ganhou força junto à Nova Escola do RAP Nacional (os grupos que baseiam seu estilo no freestyle e nas levadas não convencionais). Como Thaíde explica em sua letra “Fúria Verbal), a fórmula para este verso é “a segunda com a terceira, e a primeira com a última”. Ele até mesmo exemplifica dentro da letra:


Use bem o papel e caneta¹. / Olhe pra mim², //
pequeno aprendiz². / Aqui é muita treta¹.//
(“Fúria Verbal”, Thaíde e DJ Hum)

O gráfico é bem simples também:

___1___2
___2___1

 

Verso Poético (elaborado)

Raramente visto no RAP (salvo em refrões), este verso tem uma estrutura muito  utilizada na poesia, onde o final de quatro frases rimam em uma seqüência 1-2-1-2. Pode ser visto como uma espécie de verso duplo, porém, com sua estrutura dividida em frases, e não em “metade de frases”. E diferente da maioria dos versos, ele encontra-se em quatro frases, e não em duas. O verso poético exige uma preocupação maior por parte do rapper, para que a rima fique aparente (mesmo que sua sonoridade torne-se comprometida e enfraquecida pela distância espacial entre as rimas). Se feito da maneira certa o que resulta é um verso elegante e criativo.


Pode por uma fé mano, / juro amor eterno a ela¹.//
Prometo dar um tempo / na balada e no rolê².//
Já bate uma saudade cabulosa / do Itaquera¹//
– dos manos tudo no apetite, / no proceder².//
(“Por Você”, Xis)

O gráfico para o verso poético se estende para dois versos ao invés de apenas um:

_______1
_______2
_______1
_______2