Verso Acumulado (elaborado / não elaborado)
Existe um tipo de verso um pouco mais complexo de se fazer, mas que vem ganhando fama entre os rappers desde a metade da década de 90. Muito utilizado por grupos novaiorquinos como Wu-Tang Clan e Rakin, os versos acumulados nada mais são do que muitas frases seguidas que compartilham da mesma rima. Pode parecer fácil por ter uma definição simples, mas não é bem assim. É particularmente mais difícil criar 20 frases que rimem do que 10 versos simples, de duas frases cada um. Uma das dificuldades encontradas também é encaixar o texto dentro de uma rima pré-estabelecida, já que muitas vezes a frase que você quer encaixar não aceita facilmente a palavra com a rima escolhida para o verso acumulado.
Mas, se superadas estas dificuldades, o resultado é magistral. O verso acumulado prende o argumento do discurso pelo fato das frases estarem amarradas pelas rimas (apenas cuidado para não exagerar, e para manter a levada variando, evitando assim cansar o receptor pela repetição da rima).
Me lembro que a primeira vez que vi um verso acumulado foi em “Política”, do extinto grupo Athaliba e a Firma.
Política,
Nossa vida mais e mais ficando crítica,
Basta olhar que você vê que a vida cívica
deteriora tanto quanto a coisa pública.
Quanto choro, quanta fome, quanta súplica,
quanto nojo de saber que gente estúpida –
de mamatas vão vivendo na república,
chegou lá sem declarar riqueza súbita...
Joga o jogo de enganar postura física...
de enganar figura lá, postura cênica.
Vem política estúpida e anêmica,
vem política raquítica, cínica.
Choque vai, inflação vem de forma cíclica.
Nem precisa consultar a estatística
pois de fato a gente sente a vida rústica
que não há como mudar o tom da música,
pois vai mudar, vai melhorar, vai ficar nítida –
sua alegria de viver será explícita.
Nos palanques bem montados, boa acústica,
são patéticas promessas de política.
(“Política”, Athaliba e a Firma)
Meu aliado / do lado / errado / foi detonado,//
com calibre / grosso / e chumbo / pesado,//
Cabo / dobrado, / cano / serrado...//
Usado / com crueldade, / na razão / da sua morte...//
(...) Fato / passado, / riscado / em calendário,//
Dia, mês / e horário / macabro / marcado,//
Seis alças / lacrado, / sendo / carregado.//
Relembro / o momento / não temo / o que digo chegado.//
(“Luto”, Pavilhão 9)
Eu não desisto, perigo, está além do que eu preciso.
Eu sei muito bem disso, já tenho o que necessito.
Um microfone, um vocabulário mixo,
uma rima que não vale um real puma pá de crítico.
Ridículo, não dou à mínima, eu conquisto o título
que você quer ganhar. Sigo invicto, o papo é verídico,
pra rima vivo num clima periférico. Vamos lá...
risca, ai DJ, risca meu disco, a esquina é um perigo,
Xis, Estado Crítico, o RAP é um vício,
fundamental, político, pra guerrear,
vote 4P (o partido legítimo) (...)
(“Perigo”, Xis)
Eu vou fazer o terror, mandar meu alô,
ai quem não puxa estica, eu sei, que logo liga, ligou!
Pra mim só se for agora nesse instante.
Meter a bola pro gol, eu sou o centro-avante.
No RAP, camisa nove rimador de estilo,
O defensor verdadeiro, atômico (ganhou?).
(“Seja Como For”, Xis)
Estes dois exemplos anteriores mostram as enormes possibilidades do verso acumulado. Enquanto em “Perigo” Xis utilizou rimas bem fechadas, sem muita variação entre elas (assim como em “Política”, do Athaliba e a Firma), em “Seja Como For” o rapper procurou “moldar” as palavras para se adequarem ao seu discurso – além de evitar a estrutura mais comum, colocando as rimas em locais inesperados da frase. Desta forma, ele pronuncia “terrô”, “fô”, “sô”, “atomico”, de uma forma tão sutil que as rimas se encaixam com perfeição, mesmo para palavras tão diferentes como “atômico” e “ganhou”.
Talvez seja impossível fazer um gráfico para o verso acumulado, visto que eles variam muito em relação à quantidade de rimas que possuem e a posição que elas se encontram no verso. Mas podemos representar seu conceito em uma seqüência de versos com a mesma rima:
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___1+__1+
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